Isenção. Rigor. Inteligência. Aonde?! Aonde?!

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09 fevereiro 2006

CORREIO DO LEITOR

Raios partam as condecorações!

José S. - Cruz Quebrada

Confesso que nunca liguei muito à linha de montagem em que se transformam as condecorações dos Presidentes da República “em fim de vida”. Até acho que as críticas só existiam porque o português tem dificuldade em deixar a tralha quando muda de casa, do género “Ó mulher, deixa lá este tubo ressequido cá em casa! Imagina que se nos despenha um avião contra a marquise. Sem tubo, como é que a água de lavar o chão escorre lá para fora?”.
Daí que, quando há alguém que se livra de dezenas de pregadeiras que lá tinha em casa e as mete ao peito seja lá de quem for, os conservadores de tralha se atirem aos arames.

Porém, parece que tudo o que é “tuga” ficou obcecado com o raio das medalhinhas, ao ponto de já nem em casa uma pessoa ser valorizada pelo que faz. Dizia eu há uns dias à minha esposa “Querida, estou contente, falei com o chefe abertamente sobre a minha situação e… vou ser aumentado! Que tal?” E diz-me ela: “E medalhas? Deu-te alguma cruzinha como as do Sampaio?”
“Hum… não, cruzinhas não.”
“Então ‘tás com essa cara de parvo para quê?”
Confesso que por momentos tive uma enorme vontade de entrar para as estatísticas de violência doméstica. Mas não.
Se ela queria uma Grã-Cruz, havia de conseguir uma Grã-Cruz.

No dia seguinte era sexta-feira. Decidi acordar mais cedo e candidatar-me a uma Grã-Cruz. Passei no palácio de Belém e pedi o formulário de inscrição e as condições de elegibilidade. “Hoje é que vais ver o valor do teu homem, Ermelinda!”
Sentei-me num banco de jardim a ler as condições:

CRITERIOS DE SELECÇÃO:
Para os cidadãos portugueses seguem abaixo as condições exigidas pelo Gabinete de Sua Excelência, o Presidente da República: (seguia-se uma lista de duas páginas e meia)
Caso se encaixe no perfil “personalidade estrangeira”, entregue o formulário com o seu nome completo e o nome que quer ver gravado na cruz, e o Jorge compromete-se a recebê-lo no prazo de 24 horas.”

Estava visto que hoje não ia ser o meu dia. Mas a imagem de desprezo da minha mulher não me deixava esmorecer, mais ainda quando recordava o que ela me disse nessa noite:
“Até os primos ingleses da Dionísia, Alberto! Vieram cá passar uns dias, foram ver Lisboa num autocarro de dois andares, e quando passaram em Belém deram-lhes 6 pastéis e uma Grã-Cruz personalizada a cada um! Só tu é que és um imbecil!”

Voltei a raciocinar:
“Méritos militares”… só se for por ser tão cegueta que livrei o Estado de gastar dinheiro com a minha recruta.
“Administração Pública”… hum… será que contam os 6 meses em que administrei o condomínio? Se calhar não. E é melhor nem levantarmos esse assunto, senão lá vem a chata da D. Rosa exigir a factura dos 45 euros que eu cobrei por duas lâmpadas para o vão de escada.
“Caridade”… era isto! Bolas, não devia ser tão difícil assim ser caridoso em Lisboa. O que não falta são cobaias!

O relógio não parava. Já estava atrasado para a reunião com o chefe. “Deixa lá, quando chegares a casa com a Cruz ela até pede desculpa e dá-te um prato de torresmos e duas minis”.
Fui para o sítio de Lisboa onde a maioria dos portugueses têm ataques de caridade: o Metro. Aproximei-me de um jovem de t-shirt amarela e comprei-lhe as nove revistas que trazia por 45 euros. O jovem sorriu, sorriu como quem não esperasse tal caridade e desapareceu no horizonte.
Toda a gente tinha visto. Boa. Testemunhas.
As pessoas olhavam-me com um ar estranho, talvez pensando “Este senhor é fantástico!” Olhei para as revistas e percebi que não. Tinha acabado de comprar 3 revistas de informática, o “Correio da Manhã” e 5 revistas porno.
Moral da história: nem todos os jovens de t-shirt amarela são vendedores da “CAIS”.

Estava a desanimar, mas tentei um último truque: dar dinheiro a um cego.
Comprei uma pastilha elástica com uma moeda de 2 euros e obriguei a empregada a dar-me o troco em moedas de 1 cêntimo, para fazer muito barulho quando entrassem na caixinha.
Andei pelo Metro mas nada. Nem um cego, a não ser a senhora que espetou o chapéu-de-chuva no meu pé. Até que me soou bem perto a melodia que me ia salvar: “Agradeço a quem tenha a bondade de me auxiliar”.
Boa. Metro á pinha, hora do espectáculo!

Chamá-lo dava muito nas vistas e podia ficar mal visto. Como é que havia de chamar o homem? “Oh cego, chega-te aqui para te dar uns trocos!”?! Resolvi então esbracejar na direcção do homem, mas ele não me viu, ou cá para mim fingiu que não me viu.
Levei quatro estações para conseguir chegar ao pé do senhor cego, e além disso coxo. Foram os 3 passos mais complicados da minha vida. E quando lá cheguei, o homem saiu da carruagem e parou de pedir dinheiro.
Ainda tentei chegar ao pé dele, mas o senhor desatou a correr e eu não tive pernas para o acompanhar.

Que dia! Agora sim, estava tramado. Não ia conseguir Cruz nenhuma, e pelas horas que eram, bem podia esquecer o aumento!
Para completar o ramalhete, ao atravessar a passadeira, um carro travou em cima de mim e raspou-me na perna. Que galo!
O motorista saiu e disse: “O sr. pede imensa desculpa pelo incómodo. Aceite esta medalhinha como forma de gratidão.”
Ia-me preparar para ficar mais histérico que o Cláudio Ramos e gritar mais alto que a Júlia Pinheiro quando olhei bem para a medalha. “A Grã-Cruz da Ordem do Infante!”

Finalmente o dia começava a correr bem. Finalmente podia esfregar a Cruz na cara daquela sarna e dizer “Vês?! Vês?!”
No entanto, ao olhar bem para a medalha percebi que para tudo ser perfeito ainda faltava uma coisa: provar à minha mulher porque raio alguém me ia chamar “Bill Gates”.